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10 julho 2011

Resgate das Formas de Nascer



  • HUGO SABATINO
    MÉDICO, PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE TOCOGINECOLOGIA FCM - UNICAMP
  • VERÔNICA SABATINO
    ARQUITETA, ALUNA DE PÓS GRADUAÇÃO DA UNICAMP
  • Contato: sabatino@caism.unicamp.br


1 - INTRODUÇÃO:
A prática da obstetrícia (atenção de casais grávidos), requer a participação da ciência (para realizar diagnóstico correto) e da arte (para realizar tratamento adequado). Por este motivo é pertinente a observação do famoso historiador Auguste Comte, que diz: "Não se deve praticar uma ciência a menos que se conheça sua historia".

Tratar de conhecer as formas do nascer através da História, permite-nos percorrer caminhos com grandes avanços e alguns retrocessos, quando consideramos resultados de estatísticas vitais (hoje morrem significativamente menos mulheres e recém-nascidos que na Antigüidade); porém existem na atualidade importantes diferenças regionais (culturais) em países com economias menos favorecidas, onde ainda persistem retrocessos não solucionados. Segundo informação de Chuck Raasch (analista político do GNS/USA Today). Uma mulher na Nigéria possui a probabilidade 600 vezes maior de morrer durante o parto do que outra na Suécia.

Na América Latina, países com menos poder econômico como Cuba apresentam três vezes e meio (3,5) menos mortes maternas e três vezes (3,0) menos mortes perinatais que no Brasil, que tem maior poder econômico (Dados da OMS, publicados na revista Tema, fevereiro 1999). Avanços tecnológicos levam a melhorar o conhecimento de processos fisiológicos, assim como a aprimorar diagnóstico e tratamento corretos dos desvios da normalidade. A obstetrícia de hoje tem maior chance do que o resultado do nascimento seja mais seguro do que na Antigüidade.

Existem evidências de que o abuso ou mau uso da tecnologia pode ser motivo de resultados perinatais menos favorecidos. Por exemplo, o controle monitorizado de um parto de baixo risco (sem patologias) aumenta significativamente a instrumentalização desnecessária (uso de drogas, fórceps, cesáreas, entre outros) desse nascimento. O abuso de cesáreas desnecessárias (sem indicação médica ou por diagnóstico errado) aumenta as complicações intra e pós-operatórias, além de ter maior complicação em partos posteriores. Aumenta a incidência de morte materna, assim como o risco de resultado perinatal inadequado (em Simpósio de Cesáreas, Campinas, 2002).

Estas e outras observações similares acontecidas durante a evolução histórica dos acontecimentos mais relevantes do nascimento, estimularam-nos a realizar levantamento dos fatos, avanços e retrocessos acontecidos através do tempo, apresentados de forma resumida e amadora para que sejam imitados quando a evidência mostra benefícios, e eliminados prontamente quando não são dignos de imitar.

Desta forma, pretendemos magnificar o beneficio de condutas adequadas para nossas futuras mães e recém-nascidos. Quem sabe seja esta uma das maneiras de melhorar o desempenho do nascimento, para diminuir a violência existente em nossa sociedade, resgatando as formas de nascer de sociedades antigas e menos violentas (A Anistia Internacional, através da revista ÉPOCA de outubro/2003, traz a informação de que uma pessoa morre no mundo a cada minuto, vítima da violência armada).

Os fatos aqui apresentados fazem parte do curso de extensão que o Grupo de Parto Alternativo da Unicamp oferece em sistema on line a pessoas ou grupos da área da saúde. Para maiores informações, consultar o site:www.extecamp.unicamp.br/parto_alternativo

Para uma apresentação ordenada, dividimos o tema seguindo a clássica separação entre Pré-história e História. Esta última em Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea.

Como era a forma de nascer em cada um desses períodos?. 


2.- Pré-Historia
Como é de se supor, existem poucos documentos que certificam a forma de nascer nos períodos Paleolítico Inferior e Superior, Neolítico e Idade dos Metais. As hipóteses sobre os primeiros nascimentos, descritas pela Bíblia e outros, não serão comentadas, deixando ao leitor a liberdade de procurar suas próprias respostas desses primórdios. Limitaremo-nos a apresentar dados de trabalhos publicados de achados antropológicos, que nos ajudam a responder, ainda que em parte, a pergunta acima realizada (Muitos dos dados apresentados foram obtidos de José Jobson de A. Arruda; História Antiga e Medieval . Editora Ática - 1990 e de Victor Hugo de Melo; Evolução Histórica da Obstetrícia. Tese de Mestrado Dep. Ginec. Obst. FCM UFMG - 1983).


2.1.- Paleolítico Inferior: (Antiga idade da pedra 500.000 A 30.000 aC); Era do Gelo. Aparece o homus erectus, Neanderthal, de hábitos nômades, com habitação em cavernas, alimentação eminentemente herbívora. Descoberta do fogo. Esboço de sistema social. Acasalamento típico. Matriarcado (as mulheres pertenciam à comunidade, desconhecendo o verdadeiro pai das crianças). Por este motivo o nascimento era isolado e sem nenhum tipo de ajuda. Similar ao que acontece na atualidade em algumas tribos da África e Amazonas, no Brasil.


Índia da África tendoo parto sem ajuda. Segundo Liselotte Kuntner - 1983
A mesma índia vista de costas com o recém nascido  seus pés. Segundo Liselotte Kuntner -1983
2.2.- Paleolítico Superior: (Quarta glaciação, 30.000 a 18.000 aC). Aparece o homus sapiens, Cromagnon, de hábitos sedentários, atirador de dardos, alimentação carnívora. Sistema social mais complexo. Inicio da linguagem, da arte (cavernas de Altamira). Acasalamento. Patriarcado (as mulheres começam a ter parceiro fixo), ritos funerários e magia. O parto começa a ser assistido por magos, familiares ou parteiras. Aparece a couvade (descanso e presentes para o pai).

2.3.- Neolítico: (Idade da Pedra - 18.000 a 5.000 aC); Diversos grupos dispersos na Turquia e Irá. Os grandes animais recuam. Domesticação de animais pequenos. Agricultura. Teares simples. Barcos. Vida urbana. Os nascimentos começaram a ser atendidos por parteira ou pelo marido


Peça arqueológica mais antiga tendo o parto em posição de cócoras. Encontrada em escavações em Catal Hüyük na Turkia Central.
De 6.500 a 5.700 aC. Museu arqueológico de Ankara


2.4.- Idade dos Metais: (5.000 a 4.000 aC); Grupos no Egito e Grécia. Trabalhos com cobre, estanho, bronze e ferro ao final. Avanços da agricultura, transporte e industria. Aparece a escrita. Vida Urbana estratificada e Rural. Estado e Religião como Instituições. Nascimentos atendidos por parteiras nas cidades e na zona rural pelo marido, que tinha experiência em atender partos nos animais. Alguns métodos alternativos para atender partos e facilitar o nascimento na posição vertical.


3.- HISTÓRIA

3.1.- ANTIGA: (4.000 aC a século V). Como acontecimento relevante, este período tem as civilizações Oriental e Grega e termina com a invasão Bárbara e a queda do Império Romano. Os nascimentos eram realizados por parteiras empíricas com a parturiente em posição vertical, apoiada em tijolos, ou mesmo no colo do marido ou de pessoas da comunidade treinadas para isto (boas de colo), em domicilio.


Mulher na Pérsia tendo o parto apoiada em três tijolos


3.2.- MEDIEVAL: (século V a século XV). Como acontecimento relevante temos o feudalismo na Europa. Este período termina com a queda de Constantinopla (turcos) e o término da guerra dos 100 anos (Inglaterra e França). Os nascimentos eram realizados por parteiras regulamentadas, com a parturiente em posição vertical e colocada em cadeiras previamente fabricadas e em domicilio.


Modelos de cadeiras de partos de várias regiões da Europa e América

3.3.- MODERNA: (século XV a século XVIII). Como acontecimento relevante, temos a onda revolucionária na Europa. Este período termina com a Revolução Francesa para alguns e com o Descobrimento da América para outros. Os nascimentos eram realizados por parteiras com instrução e por médicos (sendo que a mulher atendida por homem perdia cinco virtudes: pudor, pureza, fidelidade, bom exemplo e espírito de sacrifício). Aparecem os primeiros livros de obstetrícia. As parturientes sempre em posição vertical ou de cócoras, apoiadas em bancos, tamboretes e cadeiras sofisticadas em domicílio.

3.4.- CONTEMPORÁNEA: (século XVIII até nossos dias). Neste período houve muitos acontecimentos relevantes. As várias guerras acontecidas, principalmente as mundiais, permitiram avanços tecnológicos para facilitar a morte do inimigo. Muitos destes avanços são hoje utilizados pela medicina. Os nascimentos começam a ser atendidos por médicos obstetras em Instituições denominadas de Maternidades, para diminuir as mortes ocorridas no período puerperal.



Cadeira de Bolochi (Itália) para atender partos com a mulher em posição horizontal (1871)



Os partos começaram a ser realizados com a mulher em posição horizontal, em cadeiras especialmente construídas (posição de litotomia).


Cadeira de parto convencional, utilizada na grande maioriadas maternidades, com a mulher em posição horizontal (Litotomia).


As parteiras foram oficializadas e atendiam também na zona rural. Surgem neste período a grande ajuda da anestesia e, para evitar os efeitos secundários desta, os métodos psicoprofiláticos. Posteriormente surge a Neonatologia, para dar atenção médica ao recém-nascido. Estes avanços, como o descobrimento das transfusões sanguíneas e os antibióticos, permitiram dar maior seguridade às mulheres e aos seus filhos. Na década do 50 foram publicados na Inglaterra os primeiros resultados estatísticos dos casos de alto, médio e baixo riscos gestacionais, permitindo com isto separar as mulheres grávidas com maior chance de ter problema na hora do parto. Simultaneamente nos EEUU surgem as primeiras publicações questionando a posição horizontal para atender o parto (efeito da gravedade), confirmadas posteriormente por outros pesquisadores dentro e fora do país. Na década de 80, inspirado nas observações de Paciornick de partos nas reservas indígenas de Curitiva e de Galba Araújo, no Ceará.

Coleção de cadeiras utilizadas por parteiras no Ceará,
para atender partos em posição vertical.

Surge em Campinas o Grupo de Parto Alternativo, hoje com mais de 1.000 partos atendidos em posição de cócoras (vertical).

Método postulado em Campinas em 1980, para atender partos em posição de cócoras (Resgate das formas de nascer).


Em 17 de outubro de 1993 surge a "Carta de Campinas", apoiando a humanização do nascimento e formando a primeira organização não governamental do gênero, denominada Rede de Humanização do Nascimento (REHUNA), com representação atual em varias cidades do Brasil. Hoje contamos com outras instituições similares, destacando a recém-formada "Alma Mater" com sede também em Campinas. Estas Instituições, junto a portarias do Ministério da Saúde, estão lutando para diminuir o intervencionismo desnecessário nos casos de gestações de baixo risco (80% dos casos, segundo dados da OMS), permitindo com isto o resgate das formas de nascer

Ciclo evolutivo das formas de nascer desde a pré-história até nossos dias. Observamos que após transcorridos mais de 8.000 anos a posição da mulher está sendo resgatada.


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